Os Estados Unidos anunciaram, em março deste ano, um aumento nas tarifas praticadas sobre derivados de aço e alumínio importados por empresas americanas. A elevação das tarifas foi tomada com base no artigo 232 da Lei de Expansão Comercial americana de 1962 - segundo o qual o Presidente da República, ouvido o Departamento de Comércio, poderá adotar medidas restritivas às importações, em caso de risco à segurança ou economia nacional. Os artigos derivados de aço serão sobretaxados em 25%, enquanto os de alumínio, em 10%.
As tarifas ainda estão suspensas. Mas estima-se que, em relação ao Brasil, especificamente, elas comecem a vigorar a partir de meados do mês de maio - as negociações entre os países foram encerradas no início daquele mês. A sobretaxa atinge em cheio produtos importantes da pauta de exportação brasileira para os EUA. Em 2017, algo em torno de 15% das exportações para aquele país (US$ 404 milhões) envolveram produtos que, agora, estão sujeitos à sobretaxa.
O propósito, aqui, no entanto, é meditar, ainda que brevemente, sobre os impactos dessa nova medida nos contratos já celebrados entre empresas brasileiras e americanas. Relações dessa natureza podem ser formatadas de diversos modos - e isso é essencial em qualquer análise mais profunda que se pretenda realizar. Há casos em que as partes apenas estabelecem um quadro normativo que se aplicará a futuros (e eventuais) pedidos específicos de compra. Há, outros, no entanto, em que os contratos desenham relações mais sofisticadas, como obrigações de compra ou fornecimento mínimo (como cláusulas take-or-pay) ou, então, com cronogramas de fornecimento (forecasts) que se tornam obrigatórios a partir de um determinado momento.
São nestes casos que medidas de elevação tarifária ganham maior repercussão. Empresas americanas vinculadas a certas obrigações de compra pré-estabelecidas perderão competitividade ante à sobretaxa. Essas empresas podem preferir recorrer a mecanismos de desvinculação contratual - como cláusulas resilitórias, que liberam uma das partes da obrigação assumida mediante o pagamento de uma multa. Isso depende de quão eficiente (sob o ponto de vista econômico) uma decisão desta natureza seria em relação à aquisição efetiva dos produtos - jamais esquecendo dos efeitos colaterais “reputacionais” que uma ação como essa geram no mercado. Cláusulas que estabeleçam multas menos onerosas tendem a facilitar o desfazimento de contratos nessas circunstâncias.
Também há o caminho da cláusula hardship. Prevista no artigo 79 da Convenção de Viena - e introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 8.327/2014 -, essa cláusula permite que qualquer parte se desvincule de uma relação internacional de compra e venda de mercadorias se a impossibilidade de cumprimento de uma obrigação (como a aquisição de um produto derivado de aço ou alumínio) tiver como causa uma circunstância não prevista pelas partes no momento da celebração do acordo (como a elevação das taxas aplicadas sobre aquele produto, em específico).
A elevação das tarifas de aço ou alumínio decretada pelo governo americano, como se vê, é um terreno propício para discussões importantes a respeito da continuidade ou não de relações contratuais estabelecidas entre empresas americanas e brasileiras. O tempo dirá se as partes envolvidas optarão pela via da negociação ou, então, se recorrerão a mecanismos internacionais de arbitragem para resolução de disputas envolvendo questões dessa natureza.